A “Filosofia para Crianças” foi inserida na Matriz Curricular do Ensino Fundamental/2023 com o objetivo de proporcionar aos educandos a reflexão de diversas questões de uma forma leve e significativa, propiciando o diálogo, as capacidades de verbalização do pensamento, a vivência de situações cotidianas com resoluções criativas e éticas assim como o confronto de ideias e análise coletiva.
O material com os conteúdos, baseado na proposta de Filosofia para Crianças de Matthew Lipman, foi elaborado pela supervisora Polyana Moroni. As histórias e as letras de músicas são diversificadas assim como as propostas de atividades e dinâmicas. É pela filosofia que as crianças são instigadas a pensar, a criar-recriando e a inventar-reinventando as interpretações e teorias que lhes são apresentadas.
Os contos clássicos e as fábulas estão presentes neste fascinante contexto filosófico. As histórias que serão desenvolvidas pelas professoras envolvem questões importantes relacionadas aos valores, às atitudes e ações em grupos. É muito mais que refletir… é colocar em prática a empatia, o respeito, a cooperação, a igualdade. A Lenda Ubuntu é uma das histórias em destaque: “Sou quem sou porque somos todos nós”.
Lenda Ubuntu
“Uma vez, um antropólogo foi visitar uma tribo africana e perguntou quais eram os valores daquelas pessoas, ou seja, o que elas consideravam importante para a coletividade.
Então ele sugeriu uma brincadeira. Propôs para as crianças que fizessem uma corrida até uma árvore onde havia uma cesta cheia de frutas. Quem chegasse primeiro poderia ficar com a cesta inteira.
As crianças então esperaram o sinal para começar a brincadeira e saíram de mãos dadas em direção à cesta. Por isso, chegaram ao mesmo tempo no lugar e puderam dividir as frutas que estavam nela.
O homem, curioso, quis saber:
— Se apenas uma criança poderia ficar com o prêmio todo, por que vocês deram as mãos? Uma delas respondeu:
— Ubuntu! Não é possível haver felicidade se um de nós estiver triste!
O homem ficou comovido.”
Segundo Lipman, quanto mais cedo a criança entrar em contato com a filosofia, ela terá mais condições para pensar e refletir sobre conceitos e valores, desenvolvendo o seu espírito crítico. O desenvolvimento dessa consciência crítica é fundamental para a sua formação ética, ou seja, as crianças, de um modo geral, são profundamente ativas, curiosas, imaginativas, investigadoras e questionadoras. É através desta proposta que são estimuladas às investigações dos significados das palavras que utilizam e o sentido que podem adquirir num contexto determinado.
Numa outra passagem do material de filosofia, com a abordagem voltada para a turma do 5º ano, tem a apresentação da história “A bomba d’água”, que fará com que os alunos reflitam sobre a verdadeira essência da empatia, do amor ao próximo.
A Bomba D’água
Um homem estava perdido no deserto, prestes a morrer de sede. Eis que ele chegou a uma cabana velha, desmoronando, sem janelas, sem teto. Andou por ali e encontrou uma pequena sombra onde se acomodou fugindo do calor do sol desértico. Olhando ao redor, viu uma velha bomba de água, bem enferrujada. Ele se arrastou até a bomba, agarrou a manivela e começou a bombear, a bombear, a bombear sem parar. Nada aconteceu. Desapontado, caiu prostrado, para trás. Notou que ao seu lado havia uma velha garrafa. Olhou-a, limpou-a removendo a sujeira e o pó, e leu um recado que dizia: “Meu Amigo, você precisa primeiro preparar a bomba derramando sobre ela toda água desta garrafa. Depois faça o favor de encher a garrafa outra vez antes de partir, para o próximo viajante.” O homem arrancou a rolha da garrafa e, de fato, lá estava a água. A garrafa estava quase cheia de água! De repente, ele se viu num dilema. Se bebesse aquela água, poderia sobreviver. Mas se despejasse toda aquela água na velha bomba enferrujada, e ela não funcionasse, morreria de sede. Que fazer? Despejar a água na velha bomba e esperar vir a ter água fresca, fria, ou beber a água da velha garrafa e desprezar a mensagem? Com relutância, o homem despejou toda a água na bomba. Em seguida, agarrou a manivela e começou a bombear e a bomba pôs-se a ranger e chiar sem fim. E nada aconteceu! E a bomba foi rangendo e chiando. Então, surgiu um fiozinho de água, depois, um pequeno fluxo e finalmente, a água jorrou com abundância! Para alívio do homem, a bomba velha fez jorrar água fresca, cristalina. Ele encheu a garrafa e bebeu dela ansiosamente. Encheu-a outra vez e tornou a beber seu conteúdo refrescante. Em seguida, voltou a encher a garrafa para o próximo viajante. Encheu-a até o gargalo, arrolhou-a e acrescentou uma pequena nota: “Creia-me, funciona. Você precisa dar toda a água antes de poder obtê-la de volta.”
Outro momento marcante é a parábola do cientista e da criança: Consertando o mundo, presente tanto no material do 4º ano quanto do 5°. É um contexto que possibilita inúmeros questionamentos.
Consertando o Mundo
“Um cientista vivia preocupado com os problemas do mundo e estava resolvido a encontrar meios de melhorá-los. Passava dias em seu laboratório em busca de respostas para suas dúvidas.
Certo dia, seu filho de sete anos invadiu o seu santuário decidido a ajudá-lo a trabalhar. O cientista, nervoso pela interrupção, tentou que o filho fosse brincar em outro lugar.
Vendo que seria impossível demovê-lo, o pai procurou algo que pudesse ser oferecido ao filho com o objetivo de distrair sua atenção.
De repente deparou-se com o mapa do mundo, o que procurava! Com o auxílio de uma tesoura, recortou o mapa em vários pedaços e, junto com um rolo de fita adesiva, entregou ao filho dizendo:
— Você gosta de quebra-cabeças? Então vou lhe dar o mundo para consertar. Aqui está o mundo todo quebrado. Veja se consegue consertá-lo bem direitinho! Faça tudo sozinho.
Calculou que a criança levaria dias para recompor o mapa. Algumas horas depois, ouviu a voz do filho que o chamava calmamente:
— Pai, pai, já fiz tudo. Consegui terminar tudinho!
A princípio o pai não deu crédito às palavras do filho. Seria impossível na sua idade ter conseguido recompor um mapa que jamais havia visto. Relutante, o cientista levantou os olhos de suas anotações, certo de que veria um trabalho digno de uma criança.
Para sua surpresa, o mapa estava completo. Todos os pedaços haviam sido colocados nos devidos lugares. Como seria possível? Como o menino havia sido capaz?
Então ele perguntou:
— Você não sabia como era o mundo, meu filho, como conseguiu?
— Pai, eu não sabia como era o mundo, mas quando você tirou o papel da revista para recortar, eu vi que do outro lado havia a figura de um homem. Quando você me deu o mundo para consertar, eu tentei, mas não consegui. Foi aí que me lembrei do homem, virei os recortes e comecei a consertar o homem que eu sabia como era.”
O questionamento filosófico posiciona os alunos dentro de uma atitude de investigação, de redimensionamento do conhecimento, de busca por etapas, de reconstrução do conhecimento elaborado dentro dos parâmetros de ciência filosófica.
Texto: Polyana Moroni – Supervisora Ensino Fundamental